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Sitio Histórico

Publicado: Quarta, 03 de Fevereiro de 2016, 14h29 | Última atualização em Terça, 28 de Novembro de 2023, 16h23 | Acessos: 517

Forte da Praia Vermelha

      A posição defensiva na Praia Vermelha surge por volta de 1698, como consequência da política de defesa adotada na Baía de Guanabara desde o século XVI, que pode ser resumida como um esforço de se protegerem todos os locais possíveis de desembarque. A diferença em relação aos fortes de meados do século XVI é que, nessa fortificação, uniram-se duas correntes do pensamento militar até então distintas: fechar a barra e impedir um desembarque que ameaçasse a cidade. No caso da Praia Vermelha, ela é o primeiro local do lado leste da entrada da baía que permite um desembarque. E, como era uma praia relativamente protegida dos ventos pelos morros da Babilônia e Pão de Açúcar, ligando-se diretamente com o centro da cidade por caminhos transitáveis, tornava-se local propício a uma ação inimiga. Foi ali que desembarcou van Noort, em 1599 (ver capítulo anterior).

      A história da fortificação começa em 1694, quando o engenheiro Gregório Gomes visitou a área e propôs a construção de uma posição fortificada. No ano seguinte, o Governador Sebastião de Castro Caldas fez uma vistoria no local e selecionou os "sítios" para a defesa da Prata Vermelha, recomendando a instalação de uma pequena bateria no sopé do Pão de Açúcar. No entanto, o rei ordenou que não se erguesse uma fortaleza no lugar, somente algumas "cortaduras com seus parapeitos" (trincheiras) nos passos que levavam à cidade, porque o governador considerava o local de difícil acesso.

      Mais tarde, o engenheiro Gregório Gomes fez um levantamento detalhado do local, por julgar que a cidade e a Fortaleza de São João poderiam correr riscos caso um invasor ali desembarcasse em força. O engenheiro menciona que a praia poderia ser defendida de diversas formas:

 "tenalhas, estas simples ou duplas, revelins, estes com flancos, ou sem eles, trotes [?] de campanha, trincheiras e estas com baluartes, porém como nem todas estas obras são adequadas para o intento presente, em razão de todas as referidas serem temporárias e fazerem-se só na ocasião que se necessita delas, e isto conforme o tempo o permite, porém como a importância desse sítio requer obra permanente [...]."

      Informou também ter elaborado dois projetos para a obra: uma cortina de dois meios baluartes e um hornaveque, apoiado nos dois morros que delimitavam a praia. Na verdade, Gomes enviou quatro sugestões para a construção de uma muralha no local, sendo aprovada, pelo conselho de engenheiros, em 1698, a proposta de uma cortina com dois meios baluartes. O orçamento apresentado pelo engenheiro também é interessante, pois menciona problemas tanto com a matéria-prima quanto com os empreiteiros. Seria necessário o governo fornecer a cal para as obras, pois, "de outra sorte não fazem os pedreiros boas a[s] pedras porque a[s] surtam e é necessário assistir na mesma continuadamente".

      A questão da qualidade da construção é relevante, pois Gregório Gomes foi preso por "falsificar" a obra dos fortes de Gragoatá e da Praia Vermelha." Não há informações sobre quais teriam sido os reais motivos dessa prisão, mas supõe-se estarem relacionados à fiscalização da obra, talvez desvios de matéria-prima, já que o empreiteiro também foi acusado.

       De qualquer forma, a obra foi iniciada e prosseguiu lentamente. Em 1702, já estava pronto um meio baluarte de pedra, enquanto o outro continuava de faxina. Embora cada um estivesse armado com cinco canhões, o de pedra, pela falta de reparos, não se encontrava em condições de uso. O mesmo documento menciona que os trabalhos não tinham continuado por falta de cal e que o projeto não seria mais o mesmo que o anterior, pois aquele demandava uma muralha muito grossa e alta. Apesar disso, o governador já a considerava como capaz de atuar. Dois anos depois possuía 12 peças de artilharia, mas não contava com uma guarnição permanente." As obras prosseguiam em ritmo lento, em decorrência da falta de mão-de-obra: os trabalhadores estavam todos indo para as Minas Gerais.

      A avaliação de que o forte possuía condições de se defender foi confirmada por ocasião da invasão de Duclerc, pois os franceses decidiram não arriscar um desembarque naquele local. No ano seguinte, a posição não exerceu papel importante no combate a Duguay-Trouin, por estar muito afastada do canal. Apesar de não ter participado de nenhuma ação de maior significado por ocasião das incursões francesas, a posição ainda era tida como necessária no plano do Brigadeiro Massé, que contudo, considerava o forte, formado por uma cortina com frente para o mar sem defesa na sua parte de trás, muito vulnerável a ataques de um inimigo já instalado em terra firme. O Brigadeiro recomendava a construção de um muro para defesa da gola do forte e a instalação de uma defesa no alto dos morros que dominavam a Praia Vermelha, se acessíveis pelo mato - que certamente não era o caso.

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     No plano de defesa seguinte, o do Brigadeiro Silva Paes, reconhecia-se a utilidade da posição, opinião provavelmente compartilhada pelo governador, pois o Comandante era um oficial das tropas regulares: um capitão, com um tenente subordinado, uma exceção no caso das defesas do Rio de Janeiro, Paes, contudo, não julgava necessário manter uma guarnição permanente, devendo os oficiais serem designados para a Fortaleza da Conceição e a tropa, para o Forte de São Sebastião, deixando a Praia Vermelha sob o comando efetivo de um sargento com seis soldados, como sentinelas. O papel de defesa da fortificação seria então psicológica, supondo-se que um eventual inimigo não desembarcaria no local por considerar a posição defendida. O material de artilharia, - 12 peças, sete de 12 libras e cinco de 18, - nessas condições, seria manejado por soldados de ordenanças, quando para isso convocadas, com todos os problemas inerentes a esse tipo de ação. Não há informações precisas sobre se o forte foi efetivamente desguarnecido no período de Silva Paes, mas sabe-se que seu material de artilharia foi reduzido ao invés de 12 bocar-de-fogo, em 1738 havia oito canhões, só que agora meia dúzia eram de 18 libras, melhorando o poder de fogo da fortificação.

     Depois desse período inicial, não se dispõe de muitas informações sobre a Praia Vermelha, principalmente quanto a um dado fundamental: a data de construção da muralha do lado da terra, que fechou a posição. Certamente, foi posterior a 1730, já que não aparece na planta daquele ano. A descrição contida no relatório de Miguel Ángelo Blasco, de 1767, é muito vaga, referindo-se, apenas à cortina do lado do mar. Já Funck, depois de criticar a posição por ser comandada pelo Morro do Leme, deixa claro, não só na planta que preparou sobre o local, mas também na descrição textual que fez sobre o forte, no ano seguinte, que já havia a defesa terrestre. Tratava-se, contudo, de uma construção deficiente. A respeito, o Marques do Lavradio faz duras críticas à edificação.

 "É a coisa mais ridícula que se tem nunca fostes a muralha de toda aquela cortina não parece a de muro de uma quinta mandado fazer por quem tivesse pouco dinheiro: o alicerce tem três palmos (66 cm), e do alicerce para cima onde tem maior grossura tem dois palmos e meio [55cm), de sorte que depois dele feito se não mandou terraplanar, porque se viu que o muro não tinha forças com que pudesse sustentar a terra do terrapleno que se lhe havia de fazer, sem lugar para se lhe pôr nenhuma peça nem ao menos o tem para estar a infantaria".

     Esse muro terrestre - reforçado em data posterior, com a colocação de um terrapleno - é de suma importância para se entender a história posterior da fortificação. Ele criou uma ampla "praça d'armas", da qual apenas uma parcela ínfima era ocupada pelo quartel dos soldados. O espaço dentro do forte era tão grande que a Praia Vermelha foi uma das poucas fortificações de todo o Brasil que seguiram uma das normas preconizadas por Vauban, a de se plantarem árvores no interior do recinto fortificado. Não por conforto ou estética; o engenheiro francês julgava que a madeira dessas árvores poderia servir de matéria-prima de construção, em caso de um sítio.

     A utilização como quartel acarretou alguns efeitos curiosos: o forte foi mantido, de certa forma, ativo, "mas não muito": em 1850 foi expedido um aviso determinando rearmá-lo, mas com munição muito reduzida, só dez tiros por peça, suficientes apenas para alguns minutos de fogo contra um inimigo.

     Já com a Escola Militar em funcionamento, possivelmente a artilharia do local e a própria fortificação servissem mais como "bateria-escola" para os alunos. A posição não estava sujeita à inspeção do Comando de fortificações e o material disponível não era adequado para um forte: em 1863, havia 25 peças, incluindo um morteiro de 190mm, um obuseiro de 204 mm, um de 140mm (obuseiro de campanha), dois canhões-obuses de 114mm (peças de montanha) e um canhão raiado de 121 mm La Hitte - o único instalado em um forte em todo o Brasil naquele ano, pois as peças começavam então a entrar em serviço.

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     A esse material, somavam-se, ainda, um canhão de bronze de 6, dois de 3 e um de 1 libra, bocas-de-fogo, que poderiam ser empregadas em fortificações, mas, normalmente, que eram associadas à artilharia de campanha. Finalmente, mais comuns em um forte, ali estavam quatro canhões de calibre 24, seis de 18 e quatro de 12 libras, todos de ferro. Uma fotografia do interior da fortaleza, feita por volta de 1860, mostra os alunos da Escola Militar e alguns canhões.

     Constata-se, então, que os reparos usados são do tipo naval, fato não usual nos fortes do Brasil. Apesar de pouco visível na foto, os alunos estão posando sobre um reparo de costa modelo francês de 1822, que não era empregado no Brasil daquela época. Tudo leva a crer que os canhões eram usados para instrução dos alunos e não como parte de uma fortificação regular do Império.

     Havia, portanto, para o treinamento, todos os tipos de material que um jovem oficial poderia encontrar no serviço ativo, instrumento para uma instrução constante e necessária: o próprio Imperador acompanhava os exercícios, normalmente sem dar tempo para a unidade preparar-se para a visita. Por exemplo, em janeiro de 1863, o monarca endereçou um bilhete para o Ministro da Guerra, com os seguintes dizeres: "Amanhã desejo assistir ao exercício de artilharia na Praia Vermelha onde estarei às 9 horas da manhã" - um comunicado que seria um pesadelo para um comandante de qualquer unidade dos dias de hoje e que não era um fato isolado. Em 1856, o Imperador fez uma inspeção inopinada na fortaleza:

"Visitando os compartimentos desse estabelecimento, tanto na Fortaleza da Praia Vermelha, como na de São João, e examinando com minuciosidade e solicitude os objetos concernentes ao bem-estar, e à instrução teórica e prática dos alunos; dignou-se o mesmo Augusto Senhor manifestar sua imperial satisfação pelo bom arranjo e asseio em que encontrou todos aqueles compartimentos; pela boa qualidade dos gêneros alimentícios destinados ao sustento dos alunos e do Batalhão de Engenheiros; pela agradável aparência e confraternidade militar que mostravam os ditos alunos; e pelo desenvolvimento destes no jogo das armas, de que deram provas perante Sua Majestade, que desejou vê-los trabalhar, não obstante estarem já finalizados, à sua chegada, os costumados exercícios gerais da manhã, em consequência de não ter sido a escola previamente avisada da augusta visita."

     A utilização do forte como quartel continuou ao longo de todo o século XIX. Na Guerra do Paraguai, quando a Escola Militar foi desativada, e seus alunos, junto com o Batalhão de Engenheiros, enviados para o teatro de operações, a instalação foi parcialmente guarnecida por soldados da Guarda Nacional, suplementados por trinta homens do Asilo dos Inválidos. Sabe-se que nessa época os quartéis de lá abrigaram prisioneiros de guerra paraguaios instalados no Rio.

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